Este ano concretizei um feito pessoal e nacional histórico: saí de casa.
Um feito pessoal porque a emancipação é algo que qualquer mulher trabalhadora deve aspirar. Nacional porque hoje em dia é mais fácil encontrar um portal para Nárnia do que conseguir sair da casa dos pais. Há inclusive um estudo recente que indica que temos 40% mais probabilidade de encontrar um ser mágico na linha amarela do que um jovem emancipado (o significado do termo jovem fica ao critério do leitor).
Foram várias as razões que me fizeram tomar esse passo, a maior parte delas óbvias. No entanto, o sinal definitivo de que era absolutamente necessário sair de casa veio numa manhã de Domingo em que a minha mãe entrou no meu quarto e me acordou para me mostrar uma posta de bacalhau. Achei nesse momento, enquanto tentava articular palavras elogiosas ao bacalhau (espessura, cor, etc, a minha mãe tem muita coisa a dizer sobre bacalhau), que estava na altura de sair.
Passei algum tempo à procura de casa. Sabia que era uma questão de tempo e persistência mas nada me tinha preparado para a selva que é o mundo da imobiliária no Porto. Vi fotos de cozinhas e casas-de-banho que tinham como legenda a palavra micose. Armários de cozinha sem porta, de forma a ver-se a canalização. Vi tantas fotos destas que comecei a perguntar-me se seria trending, uma nova moda de estética de cozinhas. Tenho ainda uma imagem queimada a ferros na minha memória de uma cristaleira. Foi a maior peça de mobiliário que alguma vez vi na minha vida, de tal forma que o senhorio deve ter tido que entrar na casa do vizinho para a conseguir apanhar toda na fotografia. Resumindo, tudo isto foi uma experiência difícil mas deixou-me mais forte.
Algumas centenas de anúncios da OLX depois, encontrei finalmente uma casa que gostei e comecei então a mudança. Vi, nessa altura, a minha mãe a ver-me encaixotar as minha coisas com aquele sentimento que as mães têm quando vêem os seus filhos irem para a guerra. Só que eu ia para um sítio a 20 minutos de casa.
Após alguns meses posso dizer que viver sozinha é óptimo mas tem problemas. Não é fazer o jantar, ou até limpar a casa que me incomoda. É ter que lidar sozinha com potenciais insectos. Há duas semanas tive um encontro de primeiro grau com uma centopeia no hall de entrada. Naqueles segundos de terror ponderei telefonar a amigos para me virem matar o bicho, através de um dissimulado convite para jantar. Percebi no entanto, numa velocidade cerebral vertiginosa que não tinha tempo para isso, ganhei coragem e mandei-me a ela com um sapato. Posso dizer que já se passaram duas semanas e ainda entro em casa a fazer um scan automático a todas as paredes da casa.
A grande vantagem de viver sozinha é a casa de banho só para mim. Os banhos de imersão, os banhos de imersão e os banhos de imersão. Não percebo bem a minha fixação por isto mas ela existe e Freud provavelmente terá uma explicação. Tomar banho de imersão era algo temporalmente proibitivo na casa dos meus pais pois apesar de termos banheira, tínhamos também a casa-de-banho mais requisitada da zona Norte de Portugal. Quando ia tomar banho havia sempre alguém a querer tomá-la como sua. Tínhamos de repente um alinhamento de bexigas lá em casa que eu sempre achei completamente inexplicável.
Vou ter que interromper abruptamente este testemunho aqui, numa altura em que isto estava realmente interessante, porque tenho a sopa no lume.
Na verdade não tenho mais nada para acrescentar de momento, e tenho de facto a sopa a queimar.
Obrigada pela atenção. Eu volto (entre a promessa e a ameaça).