Foi para fins de Março que ficou
organizada a nossa ida à Islândia. Março e Abril, pensaram os tolos, seriam
meses de Primavera, mais suaves. Nas várias noites cá em casa em que
organizávamos a expedição, revíamos os planos com cenários concretos em mente.
Cenários que envolviam algum branco, mas o verde e o castanho também. O poder
visual da transição de estação.
Até que chegámos.
E nevava, tinha nevado, estava a
nevar e continuaria a nevar. Branco até perder de vista.
Esta foto foi tirada num dos primeiros
dias do nosso percurso, que teve como objectivo dar a volta à ilha através da
Ring Road (estrada principal que percorre toda a Islândia). Este dia em
particular foi engraçado, porque ao final do dia, depois de termos visto coisas
bonitas como cascatas e geysirs com tempo agradável (dentro do contexto),
tínhamos um pequeno cocó à nossa espera nesse dia.
Entrámos no jipe já com o
pôr-do-sol a aparecer e pusemo-nos a caminho do hostel. Ora o hostel ficava
fora da estrada principal e nós nessa altura ainda não éramos críticos a essa
situação. Saímos da Ring Road e continuámos o caminho.
O engraçado foi que a poucos
kilómetros do hostel, enquanto uns faziam sandes de mortadela no banco de trás,
o carro foi diminuindo velocidade e parou. Porquê? Porque, apercebemo-nos nós
mal saímos do carro e enterrámos as nossas perninhas até ao joelho. Porque
aquela estrada tinha neve para, e acho que o termo correcto aqui é mesmo, para caralho.
Ah, mas não há problema, pensei
eu estupidamente enquanto tirava fotos dos arredores (prioridades, carpe diem,
essas merdas), empurra-se o carro. Só que não. Não mexia, não mexia.
Ah mas não faz mal, com certeza que
teremos algo para remover a neve que está debaixo do carro. Temos, uma pá igual
àquelas que damos aos miúdos para eles fazerem castelinhos na areia (uma nota
de ressalva para o optimismo da companhia que nos alugou o carro).
Ah, mas não faz mal (mas já dito
com uma certa desconfiança): temos o número do hostel e alguma coisa se vai
resolver. O facto de a Islândia não ter ursos e de eu ter visto durante o dia
Clios intocados a andarem naquelas estradas acalmava-me um bocado (mais tarde
observaríamos alguns tristemente espetados fora da estrada, mas naquela altura
a ignorância era felicidade). Falei com a moça do hostel por telefone, muito
simpática e tal, que nos diz que nos vem buscar. Maravilha. Alguém quer uma
sandes de mortadela?
20/30 minutos depois começamos a
ver as luzes de um carro lá ao longe. E nós alto, afinal estamos safos. Até que
lá ao longe, o carro pára. Uma certa confusão da nossa parte, mas ainda confiança
cega na nossa equipa de salvamento. Os minutos passam e o carro mantém-se no
mesmo sítio. A nossa confiança começa a esmorecer, a esmorecer, dando mesmo
lugar ao desespero por parte de um dos membros do interior do carro (não vou
dizer nomes João), que sendo um escuteiro de corpo e alma, decide transmitir a
mensagem ‘S.O.S.’ em sinais de luzes. Nada.
Muitos minutos mais tarde, o
carro ao longe finalmente avança. Juro-vos que isto filmado era a
curta-metragem mais deprimente de sempre, mas nós estávamos a viver aquilo
intensamente, até porque merdas acontecem. Eu já me imaginava a ter que ser
obrigada a comer mais pão de forma com mortadela, ter que fazer xixi no escuro
e no frio, caminhar a pé para Reiquiavique até pedir boleia a um Guodmundir
qualquer que me raptaria e me daria pedaços de bacalhau desfiado dentro de uma
jaula até ao final dos meus dias.
Mas como não estava escrito que o
nosso desaparecimento fosse notícia no Correio da Manhã “4 portugueses foram
encontrados sem vida numa estrada da Islândia com mortadela e chourição na mala
de trás”, o jipe aproximou-se, cumprimentámos (o jipe da moça também ficou
preso), agradecemos muito, pás de gente foram usadas para desengatar o carro da
neve, cordas daquelas d’homem foram atadas aos carros e saímos dali.
Foi um final feliz. Entrámos no
hostel quase pelo telhado e ficámos a saber que éramos os únicos hóspedes num
hostel de cento e trinta e tal quartos (continuo chocada com a absurdidade da
situação). Foi uma espécie de ‘Shining-experience’ com as saídas de emergência
todas tapadas com gelo (o que eu irracionalmente achei giro e mostrei aos
amigos todos pelo Messenger). Comemos muitos hamburgers, cantámos e tocámos
canções do Rui Veloso e no dia a seguir fomos embora.
Fim.
Nota: Fora de brincadeiras, a
neve e aquela infinita paisagem branca fez mais pela minha paz de espírito do
que 500 monges budistas poderiam fazer. Caminhar distâncias em estradas
desertas no meio de um planalto que mais se assemelhava a nuvens foi das
experiências mais bonitas da minha vida (lágrimas nostálgicas).
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