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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Memórias de 2015 - Neve na Islândia

Foi para fins de Março que ficou organizada a nossa ida à Islândia. Março e Abril, pensaram os tolos, seriam meses de Primavera, mais suaves. Nas várias noites cá em casa em que organizávamos a expedição, revíamos os planos com cenários concretos em mente. Cenários que envolviam algum branco, mas o verde e o castanho também. O poder visual da transição de estação.

Até que chegámos.

E nevava, tinha nevado, estava a nevar e continuaria a nevar. Branco até perder de vista.



Esta foto foi tirada num dos primeiros dias do nosso percurso, que teve como objectivo dar a volta à ilha através da Ring Road (estrada principal que percorre toda a Islândia). Este dia em particular foi engraçado, porque ao final do dia, depois de termos visto coisas bonitas como cascatas e geysirs com tempo agradável (dentro do contexto), tínhamos um pequeno cocó à nossa espera nesse dia.

Entrámos no jipe já com o pôr-do-sol a aparecer e pusemo-nos a caminho do hostel. Ora o hostel ficava fora da estrada principal e nós nessa altura ainda não éramos críticos a essa situação. Saímos da Ring Road e continuámos o caminho.

O engraçado foi que a poucos kilómetros do hostel, enquanto uns faziam sandes de mortadela no banco de trás, o carro foi diminuindo velocidade e parou. Porquê? Porque, apercebemo-nos nós mal saímos do carro e enterrámos as nossas perninhas até ao joelho. Porque aquela estrada tinha neve para, e acho que o termo correcto aqui é mesmo, para caralho.

Ah, mas não há problema, pensei eu estupidamente enquanto tirava fotos dos arredores (prioridades, carpe diem, essas merdas), empurra-se o carro. Só que não. Não mexia, não mexia.

Ah mas não faz mal, com certeza que teremos algo para remover a neve que está debaixo do carro. Temos, uma pá igual àquelas que damos aos miúdos para eles fazerem castelinhos na areia (uma nota de ressalva para o optimismo da companhia que nos alugou o carro).

Ah, mas não faz mal (mas já dito com uma certa desconfiança): temos o número do hostel e alguma coisa se vai resolver. O facto de a Islândia não ter ursos e de eu ter visto durante o dia Clios intocados a andarem naquelas estradas acalmava-me um bocado (mais tarde observaríamos alguns tristemente espetados fora da estrada, mas naquela altura a ignorância era felicidade). Falei com a moça do hostel por telefone, muito simpática e tal, que nos diz que nos vem buscar. Maravilha. Alguém quer uma sandes de mortadela?

20/30 minutos depois começamos a ver as luzes de um carro lá ao longe. E nós alto, afinal estamos safos. Até que lá ao longe, o carro pára. Uma certa confusão da nossa parte, mas ainda confiança cega na nossa equipa de salvamento. Os minutos passam e o carro mantém-se no mesmo sítio. A nossa confiança começa a esmorecer, a esmorecer, dando mesmo lugar ao desespero por parte de um dos membros do interior do carro (não vou dizer nomes João), que sendo um escuteiro de corpo e alma, decide transmitir a mensagem ‘S.O.S.’ em sinais de luzes. Nada.

Muitos minutos mais tarde, o carro ao longe finalmente avança. Juro-vos que isto filmado era a curta-metragem mais deprimente de sempre, mas nós estávamos a viver aquilo intensamente, até porque merdas acontecem. Eu já me imaginava a ter que ser obrigada a comer mais pão de forma com mortadela, ter que fazer xixi no escuro e no frio, caminhar a pé para Reiquiavique até pedir boleia a um Guodmundir qualquer que me raptaria e me daria pedaços de bacalhau desfiado dentro de uma jaula até ao final dos meus dias.

Mas como não estava escrito que o nosso desaparecimento fosse notícia no Correio da Manhã “4 portugueses foram encontrados sem vida numa estrada da Islândia com mortadela e chourição na mala de trás”, o jipe aproximou-se, cumprimentámos (o jipe da moça também ficou preso), agradecemos muito, pás de gente foram usadas para desengatar o carro da neve, cordas daquelas d’homem foram atadas aos carros e saímos dali.

Foi um final feliz. Entrámos no hostel quase pelo telhado e ficámos a saber que éramos os únicos hóspedes num hostel de cento e trinta e tal quartos (continuo chocada com a absurdidade da situação). Foi uma espécie de ‘Shining-experience’ com as saídas de emergência todas tapadas com gelo (o que eu irracionalmente achei giro e mostrei aos amigos todos pelo Messenger). Comemos muitos hamburgers, cantámos e tocámos canções do Rui Veloso e no dia a seguir fomos embora.

Fim.


Nota: Fora de brincadeiras, a neve e aquela infinita paisagem branca fez mais pela minha paz de espírito do que 500 monges budistas poderiam fazer. Caminhar distâncias em estradas desertas no meio de um planalto que mais se assemelhava a nuvens foi das experiências mais bonitas da minha vida (lágrimas nostálgicas).

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