Uma tarde do mês de Setembro em Londres. Almocei com os amigos e a meio da tarde decidi ir fazer uma visita à Câmara dos Comuns. Não respeitando eu os horários incorruptíveis dos ingleses, quando lá cheguei o horário das visitas tinha terminado. Estava sozinha e a vontade de palmilhar ruas desconhecidas é demasiado tentadora. Caminhei, rua após rua. Encontrei o trilho do rio Tamisa e andei mais. Levava a máquina comigo e a música. Acho sempre que são nestes momentos que se encontram todas as grandes respostas do Universo. Estava no entanto enganada pois após duas horas de caminhada apercebi-me não que era mais conhecedora da vida mas sim que estava irremediavelmente perdida. Continuei a caminhar ao longo do rio. Virar à esquerda ou à direita. É uma questão de feeling. Há sempre a sensação de que se escolhermos correctamente vamos encontrar algo fascinante e revelador. Encontrei um bonito templo budista em Battersea Park virado para o Tamisa. Parei e olhei atentamente à minha volta para me assegurar que ainda estava em Londres. Estava. Atrás do templo estava um grupo de miúdos a fumar charros.
Depois de ter dado várias voltas ao templo e ter sugado virtualmente toda a potencial espiritualidade do local, decidi continuar, aproveitar o final da tarde e quem sabe, no fim de tudo isso encontrar um paragem de metro (é a única forma de não me perder em Londres, pelo menos em 80% das vezes). Não encontrei. Saí do parque, atravessei talvez a minha terceira ponte desse dia e parei numa rua agitada. Finalmente fiz o que qualquer pessoa perdida e sensata faria. Apanhei um autocarro para Piccadilly Circus e cheguei a casa.
O que é esta tarde teve de especial. Nada. Milhares de pessoas já andaram por onde eu andei. Já atravessaram as mesmas ruas e as mesmas pontes. E provavelmente já pensaram o que eu pensava quando atravessavam aquelas mesmas ruas e pontes. Mesmo assim, quando olho para trás sei que aquele momento é meu e só meu.
Chelsea Bridge, Londres, Setembro 2013.
O que as nossas sensações têm de real é precisamente o que têm de não nossas. O que há de comum nas sensações é que forma a realidade. Por isso a nossa individualidade nas nossas sensações está só na parte errónea delas. A alegria que eu teria se visse um dia o sol escarlate. Seria tão meu aquele sol, só meu!
Fernando Pessoa, in 'Livro do Desassossego'
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